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Apesar de reclamações, Mercosul e UE trocam ofertas para acordo

12 de Maio de 2016

Por: Assis Moreira

O Mercosul ofereceu eliminar as tarifas de importação de automóveis europeus ao longo de 15 anos, enquanto a União Europeia (UE) apresentou ligeira melhora para o acesso de produtos agrícolas do bloco do Cone Sul, mas excluiu carne bovina e etanol nessa primeira etapa.

Conforme o Valor apurou, foi reclamando de lacunas que os dois lados fizeram ontem a primeira troca de ofertas desde 2004, em encontro em Bruxelas, mas com alívio pela retomada da negociação. UE e Mercosul vão agora examinar as concessões em detalhes.

"Foi dada a largada para a negociação final [do acordo] e acreditamos que há potencial de ganhos para os dois lados", afirmou o subsecretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Carlos Marcio Cozendey. Em nota, a comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmström, também destacou que os dois lados estão comprometidos com a negociação, em vista de um acordo ambicioso, abrangente e equilibrado.

O sentimento entre negociadores é que as concessões devem ser melhoradas nas barganhas que serão retomadas a partir da rodada de negociação antes de agosto. A pressão da França, de outros 13 países europeus e dos produtores agrícolas foi gigantesca, fazendo a UE retirar da oferta uma abertura adicional de mercado para carne bovina e para o etanol, dois produtos de especial interesse do Brasil.

Apesar dessa decepção, o sentimento, mesmo entre produtores europeus, é que não haverá acordo sem algum acesso adicional para carne bovina do Mercosul. Negociadores em Bruxelas dizem que a UE apresentou melhoras nos outros produtos em relação ao que tinham oferecido antes. Essas melhoras vêm na forma de maior volume de cota, tarifa menor ou período mais curto para a liberalização do mercado.

Os europeus melhoraram a cota para carne de frango ­ de 75 mil toneladas em 2004 para 78 mil toneladas. Para carne suína, que o Brasil não consegue exportar hoje para a Europa, também haverá uma cota pequena com alíquota menor.

Além disso, a UE acena com eliminação total de uma série de tarifas de importação principalmente para produtos industriais. De um lado, muitas alíquotas na UE já são muito baixas. Mas de outro, há um ganho na oferta, porque Bruxelas restitui parcialmente a redução tarifária que o Brasil tinha perdido com o novo Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu que entrou em vigor em janeiro de 2014.

Por sua vez, os europeus reclamaram de lacunas na oferta feita pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Mas o Mercosul acha que a UE tem ganhos a registrar. Em 2004, o Mercosul tinha acenado com cota (volume quantitativo com alíquota menor) para carros europeus e liberalização em 18 anos. Agora não oferece cota, mas promete eliminar a alíquota de importação de 35% na base de 2,66 pontos percentuais por ano, até a eliminação em 15 anos.

No setor de serviços, o Mercosul listou oferta até na área de investimentos, prometendo que não vai restringir o acesso de empresas europeias e, portanto, não fará no futuro restrições aos setores listados no pacote.

No bilionário segmento de compras governamentais, a UE também pode levar vantagens. No Mercosul, chegou a ser negociado um protocolo pelo qual empresas do bloco podiam concorrer em licitações nos países­-membros com preferência em relação à concorrência de outros países. Mas nem isso está em vigor. Por isso, na negociação com a UE, cada país do Mercosul fez uma oferta diferente nesse segmento, que Bruxelas ambiciona particularmente. O Brasil oferece tratamento nacional.

Para certos negociadores em Bruxelas, o mais importante foi a retomada da negociação. Desde julho de 2014 que o Mercosul dizia estar pronto. Já a Comissão Europeia se arrastou, mas, mesmo sob intenso bombardeio de países protecionistas, conseguiu apresentar uma oferta. "A oferta europeia reflete aquilo que a Comissão Europeia considera adequado na atual fase de negociação depois de ter consultado os países-­membros", disse um porta-­voz de Comércio da UE.

Os produtores europeus não se enganaram. Logo após a troca de ofertas, e apesar da exclusão de carne bovina, a poderosa central sindical Copa-Cogeca manifestou, em comunicado, forte desapontamento e insistiu que se opõe à negociação com o Mercosul. Afirma que isso abrirá os mercados dos 28 países da UE para importações "sem ganhar muito em retorno". Na prática, os agricultores europeus sabem que não têm como concorrer com produtos mais baratos do Mercosul.

A cota de 78 mil toneladas de carne bovina, com tarifa baixa, foi removida da oferta europeia, mas a Copa-Cogeca acha que pode ser só questão de tempo para que o produto volte para a negociação. "Vemos risco e estamos inquietos", disse a porta­-voz Amanda Cheesley.

Outra inquietação da entidade é com a melhora para a entrada da carne de frango do Mercosul na Europa, quando 70% das importações europeias desse produto já vêm do bloco do Cone Sul.

O secretário-­geral da Copa-Cogeca, Pekka Pesonen, afirmou que "apesar dos alertas de 20 ministros contra uma oferta na agricultura incluindo produtos sensíveis, a Comissão Europeia foi adiante com esse movimento". Para ele, "algumas mudanças foram feitas na oferta inicial da UE, mas não são suficientes", ou seja, os produtores europeus querem manter fechado o mercado ao invés de promover a abertura que caracteriza uma negociação de acordo de livre comércio.

Segundo a Copa-Cogeca, o setor agrícola europeu, já em crise, pode sofrer perdas de € 7 bilhões com um acordo com o Mercosul. Mas a comissária europeia de Comércio observou no Parlamento que boa parte do superávit do Mercosul na parte agrícola é em razão da exportação de soja para alimentar o rebanho europeu.

A exclusão do etanol da oferta europeia também não vai resistir muito tempo. Em 2004, a UE tinha oferecido cota de 600 mil toneladas de etanol do Brasil que entrariam sem tarifa no mercado comunitário. Atualmente, a tarifa é de € 0, 19 por litro, praticamente inviabilizando a entrada do produto brasileiro.

Para certos especialistas, o que Bruxelas fez foi tática negociadora. Ou seja, na próxima fase da barganha os europeus aceitarão incluir etanol, desde que recebam algo grande de seu interesse, que pode ser mais proteção de indicação geográfica de seus produtos no Mercosul.

Com relação ao açúcar, já estava fora das negociações em 2004. Mas tão pouco parece fazer sentido que continue excluído num pacote final da negociação, se ela realmente avançar. Afinal, a UE tem dado cotas para açúcar em acordos negociados com a América Central, Colômbia, África do Sul e até com o Vietnã. Certo mesmo é que cada lado vai ter de pagar caro, em termos de concessões, se quiser melhorar o acesso de seus produtos ao mercado do parceiro.

 

Fonte: Valor Econômico


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