Reindustrialização, ou a corrida contra o tempo
02 de Maio de 2016
Por: Denise Neumann
Já era difícil, mas piorou, e o tempo continua passando. Pressionada pelo dólar barato, a indústria de transformação encolheu lentamente ao longo dos últimos anos e perdeu um terço do seu tamanho, até virar menos de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Entre 2007 e 2014, o câmbio intensificou um rearranjo produtivo em curso no mundo, deixando a indústria brasileira mais pobre, mais dependente dos estímulos oficiais e mais cara.
A esse cenário que já era complicado, a dupla recessão de 2015 e 2016 adicionou uma conta ainda mais negativa. Sem mercado, com pouco crédito e com juro alto, as empresas passaram a investir cada vez menos em novas máquinas. Quando começar a desejada retomada da economia brasileira, as fábricas locais estarão ainda menos produtivas e mais defasadas tecnologicamente.
Para os economistas, o câmbio potencializou a desindustrialização brasileira, mas não foi seu único algoz. Enquanto o mundo mudava e organizava cadeias globais de valor, o Brasil insistia em "velhas" políticas industriais, escolhia setores, elegia campeões, mantinha o país fechado, "fugia" de acordos de comércio, e concedia incentivos ao consumo doméstico, via redução de impostos específicos e da liberação do crédito.
A necessidade de reindustrialização é hoje um consenso entre os economistas que não desistiram de ver a indústria como fundamental para o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. A ajuda do câmbio já apareceu, embora misturada com os efeitos da recessão. No primeiro trimestre deste ano, o déficit comercial da indústria de transformação foi de U$ 2 bilhões, valor 90% inferior ao de igual período de 2014, quando chegou ao auge de US$ 18,8 bilhões. A queda das importações foi preponderante, mas as exportações de manufaturados já reagem.
A questão é se o câmbio, sozinho, reverterá o que foi perdido ou se outros consertos econômicos são necessários, além de discutir qual indústria, qual estratégia, qual grau de abertura comercial e qual o papel do Estado.
É ponto de consenso entre os economistas, que a eventual mudança de governo (com a saída da presidente Dilma Rousseff e a entrada do vice-presidente, Michel Temer) trará uma inflexão importante na política comercial brasileira. A tarifa média nominal de importação do Brasil continua em 11,5% desde 2002 e nos 14 anos de governo petista apenas cinco acordos comerciais pequenos foram fechados, período em que o mundo fechou cerca de 350 novas negociações. A expectativa é de uma "implosão" desse modelo de economia fechada e voltada para os parceiros do Mercosul.
A indústria estará no cerne desse debate. Parte dela pede mais abertura e menos tarifa (quer insumos baratos para agregar valor aos bens finais); outro pedaço, contudo, ainda defende proteção. Ao novo governo, caberá mediar esse "conflito".
Para Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília e hoje chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, não é qualquer indústria que interessa e por isso "a agenda de custos está deixando de ser o principal determinante da competitividade industrial". Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), defende que é um erro procurar "atalhos" para compensar a indústria pelos problemas estruturais que afetam a sua competitividade. O coordenador do Fórum de Economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), Nelson Marconi, concorda com a ideia de que é preciso buscar a "sofisticação produtiva", mas insiste que "o reequilíbrio dos principais preços macroeconômicos é o requisito primordial para a retomada do crescimento da indústria."
Com ou sem estímulos, um consenso é que a agenda da desindustrialização pressupõe mais abertura e tem pressa.
Fonte: Valor Econômico