EDITORIAL: Investir no básico
31 de Março de 2016
Não bastassem as ameaças da dengue e da zika, o Estado de São Paulo tem enfrentado um surto de gripe fora de época. A preocupação se dá sobretudo com a complicação mais grave da doença, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), associada ao vírus H1N1.
No primeiro trimestre, o Estado registrou 38 mortes causadas pela SRAG, mais do que o anotado em 2015. Na capital, já são oito óbitos. Diante desse quadro, antecipouse a vacinação contra a gripe.
O surto, naturalmente, aumenta a procura por atendimento médico. Como mostrou esta Folha, prontos-socorros (PSs) dehospitais públicos e privados da capital paulista ficaram superlotados no último final de semana.
A alta repentina da demanda por serviços de saúde expõe de forma aguda um problema crônico do sistema: a rede básica funciona muito mal, e isso termina por sobrecarregar os demais níveis de atendimento.
Em tese, prontos-socorros deveriam ocupar-se apenas de situações emergenciais. Na prática, contudo, cerca de 80% de suas ocorrências são de baixa complexidade ou não necessitam de atenção imediata. De fato, a reportagem notou que pessoas com simples resfriados, gripes comuns e outras viroses ajudaram a lotar os PSs.
Casos dessa natureza poderiam muito bem ser absorvidos pelo atendimento básico, realizado em locais como as AMAs (Assistência Médica Ambulatorial) e as UBSs (Unidades Básicas de Saúde).
Ocorre que, na cidade de São Paulo, essa rede falha não só na abrangência populacional como na oferta de serviços. De acordo com o Ministério da Saúde, cada uma das equipes de saúde da família lotadas nas UBSs, constituem o núcleo da atenção primária no Brasil deve responder por 3.500 pessoas. Por esse critério, São Paulo dá conta de 34% de sua população, um dos piores índices dentre as capitais.
Pior, esse indicador encontra-se estagnado, pois era de 32% quando Fernando Haddad (PT) assumiu, em 2012. Muito longe do mínimo de 70% recomendado por especialistas, aproximadamente a parcela da sociedade que utiliza o SUS.
Quanto às AMAs, o próprio Haddad reconhece a falta de médicos.
Não surpreende, assim, que os pacientes recorram aos prontos-socorros. É preciso mudar esse quadro, e não apenas para desafogar o atendimento emergencial. A rede básica cuida da prevenção e atua para que problemas menores não se agravem. Investir nessa porta de entrada contribui para a sobrevivência de todo o sistema de saúde.
Fonte: Folha de São Paulo.