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ALANAC - Notícias do Setor

Conheça o Crispr, técnica de edição do DNA que promete mudar o mundo

25 de Abril de 2016

Por: Carlos Eduardo Lima da Cunha

Uma nova ferramenta de edição genética capaz de mudar completamente o mundo que conhecemos cada vez mais perde o rótulo de promessa e ganha o de "realidade".

O nome da técnica é Crispr­Cas9 (lê­se crísper­cás­nove) e ela reúne características que surpreendem até mesmo os biologistas mais experientes e está para o genoma assim como um processador de texto está para as palavras e frases de uma redação.

Simplificadamente, agora é possível eliminar partes indesejadas do genoma –que causam doenças– e, se necessário, inserir novas sequências no local. Edição do DNA.

A taxa de sucesso, quantidade de células modificadas pela técnica, é muito maior que aquela de outras antigas, usadas em experimentos de terapia gênica, por exemplo.

Antes, eram oferecidos genes inteiros para células doentes na esperança de que elas os acolhessem e os incorporassem. A maquinaria de edição do Crispr permite atuar diretamente no gene defeituoso, como um míssil teleguiado, atingindo um grande número de células-­alvo.

Na técnica, a enzima Cas9, uma nuclease, corta as duas fitas da dupla hélice do DNA, abrindo espaço para a inserção, se for o caso, de um novo trecho (veja infográfico). Agora também é possível uma edição "sem corte" do DNA –útil para alterar uma única "letra" do genoma.

A novidade está na última edição da revista "Nature". Mutações de uma única "letra" causam doenças como anemia falciforme e aumentam propensão a alguns cânceres.

No caso da distrofia muscular de Duchenne, doença progressiva e letal, a técnica poderia beneficiar 80% dos pacientes, ao cortar fora um trecho "errado" do DNA das células musculares.

As possibilidades são infinitas. Recentemente, cientistas mostraram, usando o Crispr, ser possível "empurrar" mosquitos vetores de doenças (como o anopheles, da malária e o aedes, da dengue e da zika) rumo à extinção ao favorecer a herança de genes letais entre as fêmeas. Outro exemplo icônico é experimento que extirpou o HIV de uma cultura de células humanas.

Para entender o possível impacto do Crispr e de outras futuras técnicas de manipulação genética, tem de se ter em mente que humanos, vacinas, agropecuária, vacinas –todo o mundo vivo ou que depende dele– estão na mira.

Células embrionárias podem ser modificadas para um bebê não ter fibrose cística, distrofia ou propensão ao diabetes e à obesidade.

Bactérias capazes de degradar de poluentes, como óleo, podem ser aperfeiçoadas. Plantas com altíssima capacidade de sequestro de carbono (capazes de atenuar o aquecimento global) podem estar logo ali, alguns anos adiante.

Com relação à saúde, não é uma técnica que apenas eliminaria uma bactéria ou vírus, mas que teria potencial de arrumar tudo o que está "errado" na célula. Saber o que é "errado" envolve uma grande discussão bioética, porém.

Cientistas de várias partes do mundo estão em uma espécie de corrida armamentista para ver quem consegue ir mais longe com o Crispr. Uma preocupação é quando o primeiro bebê-Crispr nascerá. Houve até proposta de "trégua" na área, da cientista Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

A ideia de Doudna seria a de que houvesse diretrizes, ou, ao menos, um "guia de boas práticas" para quem estivesse usando a ferramenta em células embrionárias humanas. No Reino Unido, por exemplo, já há pesquisas com embriões humanos com a finalidade de melhorar o desempenho da reprodução assistida.

DINHEIRO

O Crispr não é uma invenção humana e o acrônimo significa "repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas". Originalmente, trata-se de um recurso utilizado por organismos unicelulares contra a invasão de vírus. A transformação desse conhecimento em técnica genética só ganhou importância no início desta década.

 

Doudner e sua colega Emmanuelle Charpentier iniciaram o processo de patenteamento em 2013, pouco antes de Feng Zhang, do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) fazer o mesmo por uma via menos burocrática.

Zhang teve sucesso, e iniciou­-se uma disputa institucional e pessoal para ver quem é o dono do Crispr. Dada a gama de possíveis aplicações, o potencial de exploração econômico da técnica é incalculável. O mundo ainda aguarda a decisão da justiça americana.

Por ora, já existem empresas explorando o potencial do Crispr e engordando a conta de Zhang. Só neste mês de abril, a Intella Therapeutics, joint venture da qual participa a farmacêutica Novartis, deve captar quase US$ 120 milhões em investimentos. Outra empresa, a Editas Medicine, levantou US$ 94 milhões em sua oferta pública inicial.

 

Mesmo com a briga judicial, provavelmente o risco do negócio vale a pena.

REVOLUÇÃO GENÉTICA

Conheça alguns cenários possíveis ou prováveis graças à ferramenta de edição do DNA conhecida como Crispr-Cas9

FIM DA MALÁRIA

Um projeto já conseguiu dar o pontapé inicial para o fim da malária. A estratégia consiste em ‘vacinar’ mosquitos, editando seus genes e modificando o padrão de herança de modo a provocar esterilidade. A taxa de transmissão para as gerações seguintes ficou entre 91,4% e 99,6%.

COMENDO POLUIÇÃO

Cientistas já estavam tentando achar um jeito de fazer com que microrganismos ‘se alimentem’ de resíduos como óleo e outros poluentes orgânicos. É uma tarefa difícil mas é possível otimizar os caminhos existentes, alterando as enzimas responsáveis por essa degradação.

CURA DA AIDS

Um dos recentes achados promete ter impacto no tratamento da Aids e de outras doenças virais. Usando o Crispr-Cas9, cientistas conseguiram extirpar o material genético do HIV de dentro de células brancas do sangue – onde o vírus costuma se esconder.

SUPERBEBÊS

Escolher tipo físico, aptidão musical e cor dos olhos é só o começo do que uma técnica que eficientemente edita o genoma é capaz de fazer. Humanos transgênicos são uma possibilidade real e os cientistas estão até propondo ‘trégua’ para uma discussão do ponto de vista ético.

COMIDA DEMAIS

Recentemente, a engenharia genética entrou em cena permitindo a inclusão de genes, por exemplo, que melhoram a tolerância de uma plantação a condições climáticas extremas ou a pragas. Com a técnica, será mais fácil obter incremento na produtividade e no poder nutricional dos alimentos.

BIOCOMBUSTÍVEIS

A fermentação é a base da produção de etanol. Com leveduras dotadas de uma fábrica molecular otimizada, será possível melhorar o aproveitamento da cana, aumentando a produção e a rentabilidade do combustível ecologicamente menos nocivo.

 

Fonte: Folha de São Paulo.


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