Anúncio sobre a imunização é, no mínimo, imprudente
12 de Fevereiro de 2016
Por: Cláudia Collucci
O anúncio do ministro da Saúde, Marcelo Castro, dando prazo de um ano para que a vacina contra o vírus da zika para seja testada em humanos e de até três anos que ela chegue ao mercado é, no mínimo, imprudente.
Por mais que se tenha recursos (as ofertas internacionais parecem promissoras) e esforços de equipes do mundo todo, o caminho da pesquisa clínica é naturalmente tortuoso. Um protocolo pode ser bemsucedido ou não.
Um exemplo: um grupo de uma renomada universidade brasileira estava desenvolvendo um tratamento para dengue. A previsão era que, em um ano, o remédio já seria testado em humanos.
Mas, iniciados os ensaios em macacos, veio o banho de água fria: o medicamento, em vez de diminuir a viremia (presença no vírus no sangue) como era esperado, acabou aumentando. O estudo voltou para a estaca zero.
São várias as etapas do desenvolvimento de uma vacina até que se atinja o objetivo principal: estimular o sistema imunológico a reconhecer um agente agressor e produzir anticorpos específicos para combatêlo, evitando que a doença se desenvolva.
É bom lembrar que mais de 90% das substâncias estudadas na fase préclínica (experimental) de uma nova droga são eliminadas por ineficácia ou falta de segurança.
Na fase clínica, que envolve pelo menos três etapas, testase diferentes parâmetros, como tolerância, eficácia, segurança e efeitos adversos do novo fármaco em diferentes grupos de voluntários. Ao todo, o processo de desenvolvimento de uma vacina pode levar 12 anos.
Há exceções, como a que ocorreu com a vacina contra o ebola, desenvolvida em tempo recorde (um ano e meio após anúncio oficial da epidemia) com esforço concentrado de pesquisadores e e recursos internacionais.
Embora a vacina contra o ebola pareça eficaz, com 100% de proteção segundo estudo com 4.000 pessoas, um painel internacional determinou que os testes devem seguir para verificar se ela gera imunidade de grupo.
É compreensível que, em um momento de temor mundial com a rápida expansão do vírus da zika e sua associação com os casos de microcefalia, o governo brasileiro queira dar respostas rápidas à população, porém, é preciso cautela com promessas.
Em dezembro, quando o Instituto Butantan disse que iniciaria estudos para uma vacina contra a zika, o secretário da Saúde do Estado, David Uip, evitou dar prazos.
O pior dos mundos para um grupo de pesquisa é trabalhar sob pressão. Rigor científico não combina com marketing político.
Fonte: Folha de São Paulo.