Teste de remédio falha, e paciente tem morte cerebral na França; 5 adoecem
15 de Janeiro de 2016
Por: GABRIEL ALVES
Um paciente teve morte cerebral e outros cinco permanecem hospitalizados após a ingestão de uma droga em fase experimental na França, de acordo com o Ministério da Saúde do país.
A nova droga estava em testes clínicos de fase 1, a primeira etapa realizada com humanos após os testes em animais. A finalidade dessa etapa é avaliar a segurança do medicamento.
A molécula leva o nome provisório de BIA 10-2474 e foi desenvolvida para tratar transtornos de humor, ansiedade e doenças neurodegenerativas (como o mal de Alzheimer). Sua ação é em receptores endocanabinoides, ligados à dor e alvos de alguns componentes encontrados na maconha.
Seis pacientes, todos do sexo masculino, de 28 a 49 anos, ingeriram a droga no último domingo (10). Após se sentirem mal, eles foram levados ao Centro Hospitalar Universitário da cidade francesa de Rennes.
No total, 128 homens de 18 a 55 anos participavam do estudo. Deles, 90 tomaram a droga e o restante tomou placebo.
Gilles Edan, chefe da seção de neurociência do hospital, disse ao jornal "Le Monde" que os pacientes hospitalizados podem ter sofrido danos neurológicos irreversíveis.
O teste, patrocinado pela farmacêutica portuguesa Bial e conduzido na França pelo laboratório Biotrial, foi suspenso na segunda (11).
RARIDADE
De acordo como médico oncologista Gilberto Lopes Jr, professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) e pesquisador responsável por testes de novas drogas no Brasil e no exterior, esse tipo de acontecimento é raro.
"Quase nunca há uma surpresa desse tipo, mas pode acontecer", diz. Efeitos adversos geralmente são vistos em fases posteriores do ensaio clínico, que reúnem centenas ou milhares de pacientes, aumentando também a variabilidade desse universo de pacientes.
Dentre as explicações possíveis para o que o ministério francês classificou como acidente podem estar erros de definição da dose da droga a ser aplicada em humanos. Geralmente, usa-se apenas uma fração da dose que tratou adequadamente um modelo animal.
Outra explicação pode ser uma questão operacional, como erros na fabricação dos comprimidos ou na avaliação e aceitação dos voluntários –eles poderiam não ser saudáveis, por exemplo.
Embora mortes sejam raras durante testes clínicos, os pacientes que entram estudos clínicos estão cientes de que pode haver reações adversas, e cabe à patrocinadora do estudo providenciar os cuidados médicos quando necessário.
No caso do analgésico e anti-inflamatório talidomida, só foram descobertos seus efeitos danosos aos fetos após sua comercialização.
Hoje se sabe que uma dose única de 50 mg do medicamento já pode provocar teratogênese –más-formações nos fetos.
TESTES NO BRASIL
No Brasil, há uma baixa cultura de participação em ensaios clínicos e uma raríssima incidência de estudos de fase 1. Geralmente, o país embarca em estudos internacionais de fase 3 que envolvem milhares de pessoas, fornecendo pacientes para avaliar a eficácia da droga.
Isso porque, como a amostra da fase 1 é pequena, as farmacêuticas preferem conduzir os testes perto de suas sedes no exterior, onde a descoberta de novas drogas é mais intensa que no Brasil.
Outra diferença é que no Brasil não é permitido receber dinheiro para participar de um estudo clínico. Só é possível obter uma espécie de compensação financeira, mais baixa, por conta dos riscos como voluntário dos primeiros testes em humanos de uma nova droga. Os pacientes desse estudo na França recebiam € 1.900 (R$ 8.400).
Fonte: Folha de São Paulo